Foto: Ed Alves |
O decreto assinado, ontem, prevê o aumento do prazo de validade do registro de posse de arma de cinco para 10 anos. A medida vale, inclusive, para aqueles que têm o registro em vigor, mas obtido na antiga legislação. A permissão, então, é automaticamente renovada por uma década. Além disso, é permitida a compra de até quatro armas por pessoa, com exceção daquelas que comprovarem a necessidade de obter mais armamentos além do previsto, como as pessoas com grande número de propriedades.
O documento contempla ainda residentes de “cidades violentas”, com mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes, e de áreas rurais. Na prática, Bolsonaro anulou um dispositivo legal, que era o da comprovação da necessidade. Isso porque o critério utilizado pelo governo é o das taxas de homicídios dos estados em vez dos municípios. Praticamente todo o país foi incluído, segundo o Anuário da Violência 2018, que consta no decreto como referência dos dados. Para se ter uma ideia, o estado que registrou a menor taxa foi São Paulo e, ainda assim, teve 10,7 mortes a cada 100 mil habitantes em 2017. A média do Brasil foi de 10,8.
Em entrevista ao Correio, o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse que o governo está dando a posse para o cidadão. “Ele não vai sair com aquela arma na mão. Vai ter a posse para defender a integridade do lar dele ou a propriedade dele”, frisou. “Arma é um objeto caro. Não é qualquer um que vai comprar uma arma. Isso não vai contribuir para o aumento da violência.”
Abertura de mercado
Após a assinatura do decreto, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que, para o futuro, o governo pensa em medidas de abertura do mercado de armas no país. “Isso está em estudo. A gente sempre lembra que deveria haver a instalação de fábricas aqui no Brasil, na maioria dos países, essa é uma condicionante para a competição, então, o governo pensa dessa forma para poder receber aqui novas fábricas. E aí, trazem tecnologia para o país, trazem novos empregos, investimentos”, declarou, durante uma conversa com jornalistas. Lorenzoni ainda afirmou que está em análise a possibilidade de redução de impostos e alíquotas para compradores de armas.
O professor Conrado Gontijo, especialista em direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explicou que a posse de armas de fogo é emitida especificamente para cada equipamento e que o cidadão que fizer a solicitação ficará responsável pelo material que adquirir. O especialista ressaltou que as alterações feitas por Bolsonaro facilitam apenas a posse, e quem se deslocar com armas sem autorização responderá penalmente. “O decreto não autoriza que circule com a arma. O mesmo vale para o carro, que não é o local de moradia. Então, quem for pego armado no trânsito, por exemplo, sem porte, responderá criminalmente”, emendou.
Para Flávio Werneck, especialista em segurança pública e presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal (Sindipol-DF), o documento editado pelo presidente se baseia em argumentos sólidos. “O decreto tem um viés muito positivo. Ele deixa claro quais os requisitos legais, além de ter usado o critério da ONU (Organização das Nações Unidas) para definir ‘violência’, que é esse de 10 homicídios por 100 mil habitantes”, ressaltou. “Além disso, tirando os critérios subjetivos que existiam na legislação, como a interpretação do delegado sobre a estrita necessidade, diminui a capacidade de corrupção no órgão.”
Aposta na "boa-fé"
O governo federal confiará na “boa-fé” do cidadão que alegar ter cofre ou local seguro para armazenar armas em casas com crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental. Segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, não haverá medidas de fiscalização para garantir a guarda segura do armamento. “Vocês vão lembrar que o plano de governo de Bolsonaro seria o primeiro em que o cidadão chegaria diante da autoridade pública e teria a verdade com ele. Ele declarará, a princípio, que tem um cofre ou um compartimento com tranca. E isso estará valendo”, frisou
Para o ministro, a não fiscalização por parte do Estado tem até um “efeito pedagógico”. Ele reconheceu que crianças podem, eventualmente, quebrar regras, mas afirmou que cabe aos pais reforçar a “educação e a orientação” de não mexer no armamento. Ele usou como exemplo um acidente doméstico envolvendo uma criança e um liquidificador. “Quem tem criança pequena, adolescentes ou pessoas com deficiência mental tem que ter um cuidado redobrado dentro de casa. Às vezes, a gente vê criança pequena que coloca o dedo no liquidificador, liga o liquidificador, vai lá e perde o dedinho. E daí, nós vamos proibir o liquidificador? É uma questão de educação e de orientação. Nós colocamos isso (no texto do decreto) para, mais uma vez, alertar e proteger as crianças e os adolescentes”, complementou.
A consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Isabel Figueiredo afirmou que as alterações na lei são preocupantes. “É uma decisão que não tem base técnica robusta. Temos diversos levantamentos que apontam que o aumento da circulação de armas de fogo eleva os índices de delitos contra a vida”, explicou. A especialista citou como exemplo um estudo apontando que uma casa onde existe uma arma tem cinco vezes mais chances de ser palco de um suicídio ou homicídio. “Diante da polaridade em que vivemos, não me surpreenderiam com um aumento da violência em curto prazo.”
Figueiredo também critica o trecho do texto que trata das residências onde vivem crianças, adolescentes e portadores de necessidades especiais, que precisam ter cofre. “O governo decidiu que basta a pessoa atestar que tem esse cofre. Não haverá fiscalização, até mesmo por não ser possível vigiar todo mundo. Nem sequer foi pensada uma forma de garantir que as pessoas estão falando a verdade na hora da declaração”, completou.
Novo alvo: o porte
O próximo passo do governo é tentar aprovar no Congresso projetos que flexibilizam o porte de armas. “Quanto ao porte, já temos um conjunto de projetos na Câmara, suficientes para resolver isso”, disse Lorenzoni, afirmando que o governo vai tentar conseguir urgência na apreciação.
O projeto de lei 3.722/2012, do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), promove a mudança mais radical em relação ao setor. A proposta pretende revogar o Estatuto do Desarmamento, que proíbe o porte de armas, exceto para profissionais de segurança pública e funcionárias de empresas privadas de vigilância. O texto está pronto para ser votado em plenário desde 2015. Há outros 97 projetos sobre o mesmo assunto.
Por: Correio Braziliense
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